Resolução foi publicada no Diário Oficial da União
O Conselho Federal de Medicina (CFM) publicou nesta quarta-feira (16), no Diário Oficial da União, uma nova resolução que redefine os critérios éticos e técnicos para o atendimento a pessoas com incongruência e disforia de gênero. O texto estabelece limitações significativas ao uso de bloqueadores hormonais e à terapia hormonal cruzada, além de impor restrições às cirurgias de redesignação de gênero.A resolução define incongruência de gênero como uma discordância persistente entre o gênero vivenciado pelo indivíduo e o sexo atribuído no nascimento, sem que isso implique necessariamente sofrimento. Já a disforia de gênero é caracterizada por um intenso desconforto decorrente dessa incongruência.
Uma das principais mudanças é a proibição da prescrição de bloqueadores hormonais para crianças e adolescentes com incongruência ou disforia de gênero. A exceção se aplica a situações clínicas reconhecidas pela literatura médica, como a puberdade precoce ou doenças endócrinas específicas. Além disso, a terapia hormonal cruzada — que consiste na administração de hormônios sexuais para induzir características secundárias condizentes com a identidade de gênero — passa a ser permitida apenas para maiores de 18 anos. Para iniciar o tratamento, o paciente deverá passar por um ano de acompanhamento psiquiátrico e endocrinológico, além de apresentar avaliação médica favorável e não ter doenças que contraindiquem o uso dos hormônios.
Também foram estabelecidas restrições para cirurgias de redesignação de gênero. Esses procedimentos só poderão ser realizados após um ano de acompanhamento médico e estão autorizados apenas a partir dos 18 anos. Em casos de procedimentos com potencial efeito esterilizante, a idade mínima sobe para 21 anos. Os serviços que realizam essas cirurgias deverão cadastrar os pacientes e compartilhar essas informações com os conselhos regionais de medicina.
Nos casos de arrependimento ou destransição, os médicos deverão oferecer acolhimento, avaliar os impactos físicos e mentais e encaminhar o paciente a especialistas adequados. A norma também orienta que pessoas trans que mantenham órgãos do sexo biológico continuem a ser acompanhadas por especialistas correspondentes, como ginecologistas ou urologistas.
A resolução não se aplica a pacientes que já estejam em tratamento com bloqueadores hormonais ou terapia hormonal cruzada. Em entrevista coletiva, o presidente do CFM, José Hiran Gallo, afirmou que a medida foi aprovada por unanimidade pelos 28 conselheiros presentes. O ginecologista Rafael Câmara, conselheiro e um dos relatores do texto, destacou que a mudança segue uma tendência internacional. Segundo ele, países como Reino Unido, Finlândia, Suécia, Noruega e Dinamarca — considerados progressistas e com sistemas de saúde robustos — já restringiram o uso de bloqueadores hormonais em jovens.
Câmara também alertou para os riscos da exposição precoce a hormônios sexuais e para o que classificou como um aumento de diagnósticos precipitados de disforia de gênero em crianças e adolescentes. Segundo ele, muitos desses casos, com o tempo, poderiam se identificar apenas como gays ou lésbicas, sem necessariamente desejar a transição. O conselheiro afirmou ainda que o atual modelo de atendimento pode favorecer um viés de confirmação, em vez de uma análise mais cuidadosa sobre a identidade de gênero de crianças muito novas.
A nova norma do CFM deve provocar reações de entidades médicas, organizações da sociedade civil e especialistas em saúde, direitos humanos e diversidade de gênero.